quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Quase tudo
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso,
Só que agora é diferente:
Estou tão tranquilo e tão contente.
Quantas chances desperdicei,
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém!...
Me fiz em mil pedaços
Pra você juntar
E queria sempre achar
Explicação pro que eu sentia.
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira,
Mas não sou mais
Tão criança a ponto de saber tudo.
Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê
E eu sei que você sabe, quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você.
Tão correto e tão bonito;
O infinito é realmente
Um dos deuses mais lindos!
Sei que, às vezes, uso
Palavras repetidas,
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?"
Quase sem Querer - Legião Urbana
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
O DIA EM QUE OS DISCOS VOADORES CHEGARAM
E o povo da Terra ficou
olhando enquanto desciam,
Esperando, boquiabertos, para saber o que nos esperava dentro deles
E nenhum de nós sabendo se estaríamos aqui amanhã
Mas você nem notou porque
Aquele dia, o dia em que os discos voadores chegaram, por uma coincidência,
Foi o dia em que os túmulos devolveram seus mortos
E os zumbis surgiram da terra macia
ou irromperam, cambaios e de olhos baços, irrefreáveis,
Vindo até nós, os vivos, e nós gritamos e corremos,
Mas você não notou nada disso porque
O dia dos discos, que também foi o dia dos zumbis, foi também
O Ragnarök¹, e as telas de televisão nos mostraram
um navio feito de unhas de homens mortos, uma serpente, um lobo,
Todos maiores do que a mente podia conceber,
e o câmera não conseguia
Se afastar o suficiente, e então os Deuses surgiram
Mas você não os viu chegando porque
No dia dos discos-zumbis-deuses-em-guerra
as comportas cederam
E cada um de nós foi engolido por gênios e espíritos
Oferecendo-nos desejos, maravilhas e eternidades
E charme e esperteza e
corações valentes e potes de ouro
Enquanto gigantes funga-fungavam por toda
a terra, e abelhas assassinas,
Mas você nem fazia ideia disso porque
Naquele dia, o dia dos discos dia dos zumbis
Dia das fadas e do Ragnarök, o
dia em que vieram os grandes ventos
E nevascas, e as cidades se transformaram em cristal, o dia
Em que todas as plantas morreram, os plásticos se dissolveram, o dia
Em que os computadores se rebelaram, as telas nos dizendo
que iríamos obedecer, o dia em que
Os anjos, ébrios e confusos, saíram trôpegos dos bares
E todos os sinos de Londres tocaram, o dia
Em que os animais nos falaram em sírio, o dia do Yeti,
Das capas flutuantes e da chegada
da Máquina do Tempo,
Você não notou nada disso porque
estava sentada no seu quarto, sem fazer nada,
nem lendo, nem mesmo isso, só
olhando para o telefone,
imaginando se eu iria ligar."
(de forma semelhante ao Armageddon).
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
"No meu sonho...
O que eu nunca dei, o que eu nunca ganhei."
Sim, mais Neil.
Odeio o amor."
O desenhinho fofo, acho que pertence a ele.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Dores
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Mais Neil Gaiman...
OS OUTROS
- O tempo é fluido aqui – disse o demônio.
Ele soube que era um demônio no momento em que o viu. Assim como soube que ali era o inferno. Não havia nada mais que um ou outro pudessem ser.
A sala era comprida e na outra extremidade o demônio o esperava ao lado de um braseiro fumegante. Uma grande variedade de objetos pendia das paredes cinzentas, cor de pedra, do tipo que não parecia sensato ou reconfortante inspecionar muito de perto. O pé-direito era baixo e o chão, estranhamente diáfano.
- Chegue mais perto – ordenou o demônio, e ele se aproximou.
O demônio era esquelético e estava nu. Tinha cicatrizes profundas, que pareciam fruto de um açoite ocorrido num passado distante. Não tinha orelhas nem sexo. Os lábios eram finos e ascéticos, e os olhos condiziam com os de um demônio: tinham ido longe demais e visto mais do que deveriam. Sob aquele olhar, ele se sentia menos importante do que uma mosca.
- O que acontece agora? – ele perguntou.
- Agora – disse o demônio com uma voz que não demonstrava sofrimento nem deleite, somente uma horripilante e neutra resignação – você será torturado.
- Por quanto tempo?
O demônio balançou a cabeça e não respondeu. Ele percorreu lentamente a parede, examinado um a um os instrumentos ali pendurados. Na outra extremidade, perto da porta fechada, estava um açoite feito de arame farpado. O demônio o apanhou com uma de suas mãos de três dedos e retornou, carregando-o com reverência até o outro lado da sala. Pôs as pontas de arame sobre o braseiro e observou enquanto se aqueciam.
- Isso é desumano.
- Sim.
As pontas do açoite ganharam um brilho alaranjado.
Quando ergueu o braço para dar o primeiro golpe, o demônio disse:
- No futuro, você sentirá saudade deste momento.
- Você é um mentiroso.
- Não – respondeu o demônio – A próxima parte é ainda pior – explicou, pouco antes de descer o açoite.
As pontas do chicote atingiram as costas do homem com um estalo e um chiado, rasgando-lhe as roupas caras. Elas queimavam, cortavam e estraçalhavam tudo o que tocavam. E, não pela última vez naquele lugar, ele gritou.
Duzentos e onze instrumentos repousavam nas paredes da sala e, com o tempo, ele experimentaria cada um deles.
Por fim, a Filha de Lazareno, que ele acabou conhecendo intimamente, foi limpa e recolocada na parede na duocentésima décima primeira posição. Nesse momento, por entre os lábios rachados, ele soluçou:
- E agora?
- Agora começa a dor de verdade – informou o demônio.
E começou mesmo.
Cada coisa que ele fizera e que teria sido melhor não ter feito. Cada mentira que contara – a si mesmo ou aos outros. Cada pequena mágoa, e todas as grandes mágoas. Cada uma dessas coisas foi arrancada dele, detalhe por detalhe, centímetro por centímetro. O demônio descascava a crosta do esquecimento, tirava tudo até sobrar somente a verdade, e isso doía mais que qualquer outra coisa.
- Conte o que você pensou quando a viu indo embora – exigiu o demônio.
- Pensei que meu coração ia se partir.
- Não, não pensou – contestou o demônio, sem ódio. Dirigiu seu olhar sem expressão para o homem, que se viu g=forçado a desviar os olhos.
- Pensei: agora ela nunca saberá que eu dormia com a irmã dela.
O demônio desconstruiu a vida do homem, momento por momento, um instante medonho após o outro. Isso levou cem anos ou talvez mil – eles tinham todo tempo do universo naquela sala cinzenta. Lá pelo fim, ele percebeu que o demônio tinha razão. Aquilo era pior que a tortura física.
Mas acabou.
Só que, quando acabou, começou de novo. E com uma consciência de si mesmo que ele não tinha da primeira vez, o que de certa forma tornava tudo ainda pior.
Agora, enquanto falava, ele se odiava. Não havia mentiras nem evasivas, nem espaço para nada que não fosse dor e ressentimento.
Ele falava. Não chorava mais. E quando terminou, mil anos depois, rezou para que o demônio fosse até a parede e pegasse a faca de escalpelar, ou o sufocador, ou a morsa.
- De novo – ordenou o demônio.
Ele começou a gritar. Gritou durante muito tempo.
-De novo – ordenou o demônio quando ele se calou, como se nada tivesse sido dito até então.
Era como descascar uma cebola. Dessa vez, ao repassar sua vida, ele aprendeu sobre as consequências. Percebeu os resultados das coisas que fizera; notou que estava cego quando tomou certas atitudes; tomou conhecimento das maneiras como infligira mágoas ao mundo; dos danos que causara a pessoas que jamais conhecera, encontrara ou vira. Foi a lição mais difícil até aquele momento.
- De novo – ordenou o demônio, mil anos depois.
Ele agachou no chão, ao lado do braseiro, balançando o corpo de leve, com os olhos fechados, e contou a história de sua vida, revivendo-a enquanto contava, do nascimento até a morte, sem mudar nada, sem omitir nada, enfrentando tudo. Abriu seu coração.
Quando acabou, ficou ali sentado, de olhos fechados, esperando que a voz dissesse: “De novo”. Porém, nada foi dito. Ele abriu os olhos.
Lentamente, ficou de pé. Estava sozinho.
Na outra ponta da sala havia uma porta, que, enquanto ele olhava, se abriu.
Um homem entrou. Havia terror em seu rosto, e também arrogância, e orgulho. O homem, que usava roupas caras, deu alguns passos hesitantes pela sala e parou.
Ao ver o homem, ele entendeu.
- O tempo é fluido aqui – disse ao recém-chegado.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
O primeiro...
Como tenho andado viciada no escritor Neil Gaiman, penso que nada melhor para iniciar o blog do que compartilhando um dos trechinhos seus, entre os muitos que gosto e que brevemente estarão por aqui...
“Enquanto escrevo isto, me ocorre que a peculiaridade da maioria das coisas que consideramos frágeis é o modo como elas são, na verdade, fortes. Havia truques que faz íamos com ovos, quando crianças, para demonstrar que eles são, apesar de não nos darmos conta disso, pequenos salões de mármore capazes de suportar grandes pressões, e muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado de um oceano. Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida, setenta vezes por minuto, e não falhar quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.” (In: Coisas Frágeis 2)